16 de janeiro de 2012

O dia em que li o novo quadrinho de Mutarelli*

Quanto pesa o silêncio desmedido de uma perda? Está foi a pergunta que ficou após ler "Quando Meu Pai se Encontrou com o ET Fazia um Dia Quente", novo quadrinho de Lourenço Mutarelli. Permeado de ausências e grandes silêncios, o autor já havia avisado que sua volta aos quadrinhos seria marcada de experimentações. O reflexo disso está na exigência que este último HQ faz ao leitor, pois não há uma linearidade entre as páginas, e quem lê precisa costurar a história à sua forma, sem associar texto e imagem.

Não procuro elencar livros ou qualquer outro objeto artístico como "melhor" ou "pior" que as outras, mas o que posso afirmar é que há um desdobramento lírico nas cores e na narrativa deste último trabalho. O bonito livro traz a história de um filho que não aparece nas imagens, narrando lembranças e fatos que antecederam a morte de seu pai - um aposentado de uma Companhia Telefônica que coleciona fotografias antigas e máquinas de costurar e de escrever. 

Assim como em "Nada Me Faltará", Mutarelli nos apresenta um personagem que acaba de encerrar um ciclo definitivo em sua vida. Isso é o que acontece com o personagem (pai) que perde sua mulher num acidente fatal e perde também os limites da consciência, visto que ele desaparece por alguns dias quando vai pescar com o irmão em um pousada e retorna com uma história bizarra, que consistia num contato peculiar com um ET. É como uma reinvenção da memória, evocar lembranças com cores e formas, coisa finíssima.



Vale destacar que a figura que representa o pai no quadrinho é uma representação e homenagem ao escritor William Burroughs - ícone da geração Beat - movimento literário que surgiu nos anos 50 nos Estados Unidos. O escritor americano também foi reverenciado em lapsos narrativos do livro "A Arte de Produzir Efeito Sem Causa"

Tanto os quadrinhos como os livros de Mutarelli, são marcados por personagens com densa morbidez, que nos assustam inicialmente, mas nos fazem pensar que todos temos um lado ridículo. É como uma desconstrução dos arquétipos, uma fábrica de anti-heróis que consegue cativar e surpreender a todos. 
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*Vinicius Gonçalves (@vi_lg) é estudante de jornalismo, curte literatura, quadrinhos e saraus. Aqui no PCdeBolso vai compartilhar suas experiências de leitura, mas não só.



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