4 de fevereiro de 2013

"A Fé", um conto de Quim Monzó


Comecei a ler uns contos do Quim Monzó, nome tão desconhecido pra você quanto era pra mim. 

Comprei um livro desse escritor catalão no final do ano passado por indicação de uma vendedora antiga da Livraria da Vila, na Fradique Coutinho, em São Paulo, da qual não me recordo o nome. 

Cheguei na loja, falei mais ou menos sobre o que eu gostava de ler e lembro de destacar Nick Hornby em algum momento. Ela me trouxe "O Porquê de Todas as Coisas", de um "escritor espanhol de quem gosto muito". Apontou no meio do livro e disse: "leia isso aqui."

"O Ciúme
Tamar passa a língua ali mais uma vez e, muito lentamente, ergue os olhos finos até se encontrarem com os de Onan.
- Gosto muito do teu pinto (...)
- Se eu não tivesse pinto, me amaria do mesmo jeito?"

Olhei meio desconcertado para ela, que fez questão de sair a procura de um novo livro para me indicar. Decidi ler o conto até o final. Não consegui segurar o riso e não levar o livro pra casa, mesmo sem entender onde estava a ligação com o Nick Hornby.

Assim como "Ciúmes", os contos de Monzó tratam de forma irônica e bem humorada sobre as relações afetivas e sexuais das pessoas, em diferentes fases da vida. A maioria das narrativas é curta, todas com textos afiadíssimos.

Pincei um dos trinta contos do livro, tão bom quanto o indicado pela vendedora, e o reproduzo logo abaixo. 

Divirta-se.

A Fé, por Quim Monzó*

- Talvez seja porque não me ama. 
- Te amo. 
- Como sabe? 
- Não sei. Sinto. Percebo. 
- Como pode estar seguro de que o que percebe é que me ama e não uma outra coisa? 
- Te amo porque é diferente de todas as mulheres que conheci na vida. Te amo como nunca amei ninguém e como nunca poderei amar. Te amo mais que a mim mesmo. Por você daria a vida, deixaria me esfolarem vivo, que brincassem com os meus olhos como se fossem bolas de gude. Que me lançassem num mar de ácido clorídrico. Te amo. Amo cada dobra do teu corpo. Sou feliz só de olhar teus olhos. Dentro de tuas pupilas me vejo, pequenino. 
Ela move a cabeça, aflita. 
- Fala de verdade? Oh, se eu soubesse que de verdade me ama, que posso acreditar em você, que não se engana a si mesmo e, então, a mim... De verdade me ama? 
- Sim. Te amo como ninguém nunca foi capaz de amar. Te amaria mesmo que me rejeitasse, mesmo que não quisesse nem me ver. Te amaria em silêncio, às escondidas. Esperaria que saísse do trabalho somente para te ver de longe. Como pode duvidar que te amo? 
- Como quer que eu não duvide? Que prova tem, real, que me ama? Diz que me ama, sim. Mas são palavras, e palavras são convenções. Eu sei que te amo muito, a ti. Mas como posso ter a certeza de que me ama? 
- Olhando-me nos olhos. Não é capaz de ler que te amo de verdade? Olha-me nos olhos. Crê que poderiam te enganar? Você me decepciona. 
- Te decepciono? Pouco me ama se tão pouca coisa faz que você se decepcione. E ainda me pergunta como é que duvido do teu amor? 
O homem a olha nos olhos e lhe toma as mãos. 
- Te amo. Está me escutando bem? Te. a. mo. 
- Oh, "te amo", "te amo"... É muito fácil dizer "te amo". 
- Que quer que eu faça? Que me mate para demonstrar isso a você? 
- Não seja melodramático. Não me agrada em nada esse tom. Logo perde a paciência. Se de verdade me amasse não a perderia tão facilmente. 
- Eu não perco nada. Apenas te pergunto uma coisa: o que te provaria que eu te amo? 
- Não sou eu quem há de dizer. Tem de sair de você. As coisas não são tão fáceis quanto parece. - Faz uma pausa. Contempla-o e suspira, resignada. - Sim, talvez eu tenha de acreditar em você. 
- É claro que tem de acreditar! 
- Mas por quê? O que me assegura que não me engana ou até mesmo que você próprio acredita em você, que me ama, e por isso me diz, ainda que no fundo do fundo, sem você sabê-lo, não me ame de verdade? Pode muito bem ser que te engane. Não creio que você aja com má-fé. Creio que quando me diz que me ama é porque acredita nisso. Mas, e se você se engana? E se o que sente por mim não é amor mas afeto, ou alguma coisa semelhante? Como sabe que é amor de verdade? 
- Você me atordoa. 
- Perdão. 
- Apenas sei que te amo e você me desconcerta com perguntas. Me chateia. 
- Talvez seja porque não me ama. 
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Quim Monzó nasceu em Barcelona, Espanha, em 1852. Cronista, romancista, tradutor e colaborador de diversos jornais, tem sua obra publicada em várias línguas e muitas vezes premiada.

A garota da foto é a modelo Kim Noorda, clicada por Viktor Vauthier.


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