10 de janeiro de 2012

Por um mundo melhor*

Protestos em Boston, 10/10/2011. Fonte: www.theglobeandmail.com

Parece que o clima de recessão e crise econômica vem atingindo (principalmente, mas não apenas) europeus e americanos e está mexendo com as pessoas ao redor do mundo. Temos acompanhado durante os últimos meses o crescimento de movimentos que questionam o sistema estabelecido. Alguns mais outros menos organizados, é possível citar exemplos expressivos, como o conjunto de mobilizações que chamamos de "Primavera Árabe" ou o "Occuppy Wall Street", que deixou de se resumir à ocupação da rua citada e se espalhou para outras cidades dos Estados Unidos e do mundo. Em São Paulo, inclusive, houve concentração de manifestantes; no entanto, a repercussão foi pouca. Apesar dos questionamentos acerca da legitimidade de muitos movimentos, o tamanho que alcançaram estas manifestações demonstra que os jovens, inclusive os "de primeiro mundo", podem refletir sobre o capitalismo neoliberal e suas consequências.

Ou, como apontou o pensador esloveno Slavoj Žižek no discurso que fez para os manifestantes novaiorquinos (cuja transcrição completa está disponível aqui),  "todos nós conhecemos a cena clássica dos desenhos animados: o gato chega à beira do precipício e continua caminhando, ignorando o fato de que não há chão sob suas patas; ele só começa a cair quando olha para baixo e vê o abismo. O que estamos fazendo é simplesmente levar os que estão no poder a olhar para baixo…"

No que diz respeito à gestão de gênero, gostaria de ressaltar duas das questões levantadas por este momento, relativas à economia e ao ativismo feminino. Quais as relações entre nosso sistema político-financeiro e as opressões de gênero? Qual o papel da mulher nessas lutas por uma sociedade diferente?

Podemos questionar a relação entre o capitalismo neoliberal e a opressão de gênero, se sociedade de consumo influencia ou mesmo determina a hierarquia estabelecida entre homens e mulheres. O vídeo abaixo foi produzido pela ATTAC (Association pour la Taxation des Transactions pour l'Aide aux Citoyens  ou, em português, "Associação pela Tributação das Transações Financeiras para ajuda aos Cidadãos") de Madri, associação internacional por uma globalização justa, e é bem didático na maneira que aborda o papel ao qual fica relegada a mulher quando a ela fica o trabalho não remunerado. Está em espanhol, mas não é difícil a compreensão.



Esta publicação da Organização Pan-Americana da Saúde (PAHO), também em espanhol, dicute a dimensão do trabalho não-remunerado e a invisibilidade da mulher. O trabalho de cuidado de crianças e idosos, o serviço doméstico: o que demanda tempo e dedicação e não é remunerado geralmente é atribuição feminina. No que diz respeito ao "trabalhar fora", os salários das mulheres são inferiores aos dos homens (o caso brasileiro pode ser visto neste relatório do IPEA, não tão atualizado mas que permite ter idéia de nossas estatísticas). A mulher exerce comumente profissões que apenas recentemente foram regulamentadas e ganharam direitos trabalhistas, como a de empregada doméstica. Interessante pensar que, ao mesmo tempo em que a sociedade de consumo estimula o acúmulo de riqueza, a mulher tem maior dificuldade em alcançar um patamar salarial equivalente ao do homem (há um enorme abismo salarial entre a mulher negra e o homem branco) e se torna dependente financeiramente.

Cartoon: http://www.leftycartoons.com
 Minha tradução capenga: 
"- A diferença salarial entre homens e mulheres não tem nada a ver com sexismo. Mulheres recebem menos porque fazem escolhas diferentes.
Ter uma família, por exemplo. Muitas mulheres se afastam por um tempo do emprego para cuidar das crianças ou de parentes idosos...
Então as mulheres trabalham menos, ou trabalham meio período, ou precisam de empregos mais flexíveis. Consequentemente, elas recebem menos, mas o que tem isso a ver com sexismo?
- Os homens não poderiam fazer metade do trabalho não remunerado?
 - Isso é conversa de louco!
 - Certo, então vou deixar outra pessoa criar os meus filhos.
 - Que tipo de mãe nojenta faria isso?"

Ilustração: Flávia Santos
Por outro lado, é importante discutir o papel da mulher no combate à desigualdades e injustiças sociais. Semana passada, o prêmio Nobel da Paz foi entregue a três mulheres, duas africanas e uma árabe, de pape fundamental na luta por transformações em seus respectivos países. Ellen Johnson Sirleaf, é presidente da Libéria e foi a primeira mulher a ser eleita presidente no continente africano; também da Libéria, Leymah Gbowee liderou um movimento pacífico que ajudou a terminar a guerra civil que ocorria no país, como uma Lisístrata pós-moderna. As duas são importantes lideranças para a recuperação liberiana. Ao lado das duas, a iemenita Tawakkol Karman, jornalista, ativista fundamental na já citada "primavera árabe", lutando pela democracia no Oriente Médio. Para a organização do prêmio, isto denota o protagonismo das mulheres, cada vez mais dissociadas do papel de vítimas e assumindo lideranças.

Será mesmo? Como diriam alguns atores globais, "é muita pergunta sem resposta". Fica aberta a discussão.

(Observação: nem mesmo em um momento como este escapamos da objetificação; a foto do início foi retirada de um tumblr criado especialmente para destacar as beldades que circulavam pelos protestos do "Occuppy Wall Street". Nenhum equivalente inverso foi encontrado.) 
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*Milena Mota (@myllennah) estuda moda, pinta, atua, toca piano e fotografa. Desde o final do ano passado assumiu a empreitada de ser uma das colunistas do PCdeBolso. Aqui ela discute assuntos femininos e feministas.

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