12 de janeiro de 2012

Daytripper - Sobre tudo o que (realmente) importa*


Daytripper é, indiscutivelmente, um marco. Porém, confesso que em meio a tanta variedade, entre nacionais e estrangeiras chegando diariamente às prateleiras, fiquei um pouco apreensivo com todo o (ensurdecedor, diga-se de passagem) barulho que a HQ vinha causando, e adiei a experiência. Não pelo efeito massificador que os meios tem sobre uma obra, isso realmente não me interessa no momento de buscar algo (efeito que rechaça muita gente). Mas pela expectativa que é gerada em torno daquele algo, quando em uníssono e a plenos pulmões, todos gritam obra de arte. Por isso, demorei cerca de seis meses antes de colocar as mãos em cima de uma edição com a história completa, da Vertigo/DC. Achei que viria a calhar e seria de bom tom começar uma coluna sobre quadrinhos com um ganhador do Eisner, trend topic e número um do New York Times. 

Minha experiência com os gêmeos não é longa - creio ter lido 10 Pãezinhos - Crítica e ter gostado bastante - e entrei nessa acompanhado de comentários do calibre "A melhor HQ que eu li na minha vida" e "Chorei baldes com este livro". Bem, trouxe para casa e pus-me no encalço de uma opinião. 

Acredito que o grande trunfo da HQ seja sua proposta, história muito bem escrita, adornada de metáforas e perguntas essenciais, que trata dos idos de um escritor de obituários, Brás de Oliva Domingos. Ele trabalha em um jornal, longe de ter o emprego dos seus sonhos. Sonhos estes que se enveredam pela trilha do grande escritor. Os capítulos discorrem sobre seus dias, suas relações com as pessoas (seus amigos, amores, família, pais e filho) sobre os pequenos prazeres e sonhos que se amontoam em passagens de sua vida e desta forma, tecem sua singularidade. Sim, porque, apesar de se tratar de um homem comum, com momentos comuns de felicidade e desespero e inveja e solidão e amor, Daytripper conta a história de uma vida feita de momentos inesquecíveis, explêndidos, pequenos e únicos. Cada capítulo se fecha com a morte da personagem, contando como naquele momento, Brás foi especial. E como a vida se desenrolou para levá-lo até ali, até aquele desfecho, que era o correto para sua trajetória de então. Poesia pura lembrar (ou ensinar) a importância destes momentos. 



Além disso, gosto muito dos desenhos. Me lembra em muitos momentos (especialmente neste Daytripper) o Mike Mignola, direto ao ponto e com um domínio excelente de luz e sombra, o quê pouca gente consegue fazer de forma satisfatória. Simples, porém cheios de nuances que fisgam o leitor no ato (especialmente o leitor brasileiro ou aquele que é familiar à arquitetura e cultura do país). Mas o que me impressiona é a versatilidade dos dois, a capacidade de se apoiar em diversas referências para construir um traço que seja coerente para a história. Ou seja, aqui, Daytripper tem uma arte única, que caminha lado a lado com as letras da fábula que quer contar. Cada quadro é feito de forma a transbordar a poética do texto. Mostrar os sonhos da personagem como um grande oceano, cheio de possibilidades e anseios, é uma solução perfeita de uma metáfora extremamente assimilável. E cada capítulo da história traz exatamente a sutileza e textura necessárias para o seu intento (vide as diferenças dos capítulos urbanos daqueles que se passam na infância e adolescência do protagonista). 

Me lembrou, pelo contexto e pela temática da obra Liberdade, do Franzen. O livro mostra de forma extremamente empática a excessiva liberdade que se torna prisão para os sentimentos e atitudes na sociedade comtemporânea. Como o Andre Comti disse, é um retrato fiel do nosso tempo. Assim é Daytripper, mostrando que debaixo de todas as camadas que envolvem essa experiência social (e é disso que o texto trata, de pessoas que se encontram), o que realmente importa são as surpresas únicas de um dia ou de um minuto que fazem tudo realmente valer a pena. É um livro não sobre a morte (como muita gente fez questão de colocar), mas sobre a vida.
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*Chico Malagutti (@chicomalagutti) estuda Publicidade e Propaganda, trabalha com marketing e livros, e também é metido a artista. É um dos novos colaboradores do PCdeBolso e a partir  deste post passa a falar sobre o universo dos quadrinhos.

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