25 de abril de 2011

Brinquedo Novo e o Pardal - Uma História

Tenho um outro blog, inativo no momento. Nele postei textos com narrativas que tentam recuperar algumas vivências, com enredos e personagens inventados, ou não. O blog foi por um bom tempo um canto de exercício das palavras em que compartilhava histórias com amigos. No dia 29 de janeiro de 2009 postei um texto sobre um garoto que sai para brincar com seu estilingue em um dia quente. Lembro que no papel, comecei a história sem saber onde a coisa iria parar. No decorrer da história decidi que o menino estaria sozinho, num terreno abandonado de uma periferia qualquer, descobriria sozinho alguns sentimentos e teria seu primeiro contato com a morte. Para o blog, nunca tive pretensão alguma, mas o texto final se tornou um dos meus preferidos. Comecei a imaginá-lo como um quadrinho, depois uma animação e até um curta metragem. Com o tempo as ideias passaram. 

Falando do blog aqui e ali, o texto parou na tela do computador de um designer ainda em formação, mas de criatividade ímpar. Um dos tantos amigos, ou amigo de amigos talentosos que tenho o prazer de conviver. O Caio Domingues pediu autorização para ilustrar o tal texto. Sem pensar duas vezes, autorizei . De uma hora pra outra voltei a ficar pretensioso com a pequena história e ansioso com um trabalho profissional baseado nela. Hoje recebi na caixa de e-mail a ilustração de Brinquedo Novo e o Pardal, que já é um dos presentes mais bacanas recebidos neste ano. Aqui você confere o portfólio do Caio e o estúdio em que ele desenvolve outros projetos como designer. Como forma de agradecimento, compartilho com você leitor do PCdeBolso tanto a ilustração como o texto  de janeiro de 2009. Este que voltei a imaginar como um quadrinho, uma animação, um curta...

Ilustração: Caio Domingues




Brinquedo Novo e o Pardal

Encaixou a tira na segunda ponta daquela armação de madeira áspera em forma de ipsilon. Ergueu na altura dos olhos e esticou o máximo que pôde com seus braços finos para certificar-se de que estava justo o bastante. Pegou um pedregulho na beirada da calçada e o posicionou dentro do retângulo de couro, no centro da tira de borracha. Apontou para o alto numa direção qualquer e disparou. A pequena pedra voou frouxa no ar e caiu do outro lado da rua. Seu novo brinquedo estava firme, agora ele tinha certeza e era isso o que mais importava.

Meio dia, o sol queimava a pino num céu sem nuvens. Uma volta no quarteirão e encontrou o terreno baldio, um espaço incomum naquele bairro apinhado de casas e morros, com um enorme paredão ao fundo. Com o calor que fazia tudo ali se resumia a terra seca, poeirenta, num tom vermelho alaranjado.

Passou a treinar a pontaria e a velocidade dos tiros. Acertava o paredão com pedras arredondadas e cacos de tijolos. Fazia buracos cada vez mais no alto, com zunidos quase inaudíveis finalizados por um baque oco. Em um dos tiros, concentrou-se como se fosse um atirador de elite, cerrou o olho esquerdo, aplicou toda a força nos braços e disparou. A mão que segurava a tira de borracha estremeceu, segundos antes do previsto, fazendo com que ele a soltasse e a tira chicoteasse com força seu antebraço. Gritou um palavrão, largou o brinquedo sacudindo o braço com desespero. 

Ficou com raiva de si mesmo. Pegou a armação do chão de terra, limpou-o com desdém na camisa velha e voltou aos disparos. Atirou três ou quatro pedras quando viu no alto do paredão de barro seco um pequeno pardal assobiando e movendo-se em pequeninos saltos de um lado para o outro. Ainda estava com raiva. Tentou ignorar o passarinho por alguns minutos, mirando outras pedras em outros cantos do terreno. Estava suando, as bochechas quentes, os cabelos e os pés vermelhos de terra. Olhou novamente o pardal e num ímpeto mirou seu pequeno corpo empenado. Novamente fechou o olho esquerdo, puxou com força a tira de borracha contra o seu corpo, sentiu uma gota fina de suor quente escorrer pelo canto do seu olho e descer pelo seu pescoço. Apertou a boca e soltou o tiro com um grito de ódio. Viu o passarinho cair movimentando-se freneticamente, numa tentativa de voo. A queda era alta e quando chegou ao chão a pequena ave não expressou mais vida. Subiu uma pequena nuvem de poeira vermelha ao seu redor. O menino não conseguiu se mexer, ficou parado olhando de longe aquele pequeno bolo de penas, agora sujo. Sentiu um aperto esquisito acima do estômago. Pegou o brinquedo com as duas mãos e novamente num ímpeto, quebrou a armação de madeira ao meio e a jogou longe no fundo do terreno, não percebeu que uma farpa espetara seu dedo médio. Limpou o suor do rosto e correu agoniado para casa. Não queria mais brincar por um bom tempo.

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