18 de janeiro de 2011

Quando o final salva o livro


Se eu fechar os olhos agora pode te seduzir por no mínimo três motivos: o belo título, a foto de Cartier Bresson na capa e a respeitabilidade do seu autor no campo jornalístico. Sem contar no prêmio Jabuti 2010 com o qual a obra foi agraciada. Mas esse pacote bem embrulhado também pode te frustrar por vários motivos, não fosse ele um livro com final que redime todas as irregularidades da história, na verdade, na forma como é contada a história.

Numa cidade fictícia no interior do Rio de Janeiro, no início da década de 1960, dois garotos de 12 anos encontram uma mulher morta perto do lago que frequentam para brincar, quando matam aula na escola. A cena é chocante para os garotos, a mulher está esfaqueada, com um dos seios decepado. É um adulto no início do livro que descreve a cena. Um começo detalhado, hipnotizante. Depara-se aí com a primeiro tropeço do livro: o autor usa e abusa das descrições de ambientes, objetos e cenas que, em certos momentos, em vez de situar o leitor em um universo próprio, pode cansá-lo.

O crime é obscuro e os garotos logo envolvem-se na missão de desvendá-lo. Ainda ingênuos, sem compreender situações e atitudes dos adultos ao redor, eles encontram em Ubiratan, um velho comunista que reside no asilo da cidade, a parceria ideal para descobrir o verdadeiro assassino. Ponto a favor: Os dois garotos tem personalidades completamente diferentes e construídas com talento. Cria-se uma empatia rápida com suas figuras. Paulo é mais esperto e arteiro, mas vive sérios problemas em casa, com a brutalidade do pai e a presença opressora do irmão mais velho. Eduardo é mais contido, inteligente e bem criado por pais atenciosos. As características deles se complementam no decorrer da história e são as passagens protagonizadas pelos dois as mais envolventes do livro. São diversas e criativas situações criadas pelo autor (ótimo o trecho em que vivem a primeira excitação física por uma figura feminina "em movimento", assistindo a um filme no cinema) em que amadurecem, cada um a seu modo, reagindo aos fatos de acordo com sua vivência. Em um momento de transição da infância para a vida adulta eles desfrutam nesse momento inconscientemente uma forte e verdadeira amizade.

Logo vem outra derrapagem: Ubiratan, o velho comunista. Ele surge na história de uma maneira meio "sem eira nem beira". E o que ficamos sabendo sobre seu passado é que sofreu com as torturas durante a ditadura de Getúlio Vargas. O personagem é quem leva as investigações adiante. Lá pelas tantas, desvenda o caos em que a mulher morta, a Anita ou Aparecida, do início da história, e que persegue a mente de todos, estava envolvida. Perversidade sexual, incesto, corrupção política, permanências históricas e outras questões são tratadas em um redemoinho complicado, mas ainda assim possível. Porém o autor faz isso lançando mão de dois tiques incômodos. O primeiro deles são os "diálogos sem resposta" que cria para pelos menos 3/4 das conversas do livro, e olha que não sou poucas as conversas entre os personagens na obra. São diálogos em que eu pergunto: Tudo bem? E você responde: Você viu como está o dia hoje? Não se sabe qual o sentido de tais diálogos em que os personagens não se ouvem e não respondem a indagação do interlocutor nunca. O segundo tique: expressões e excertos de músicas em outro idioma. Parece que as diversas linhas com frases em espanhol e francês, sem indicar a tradução ou significado, procuram emoldurar a obra com uma aura cool, mas por fim acaba incomodando se o leitor não for trilingue ou tenha pelo menos um dicionário a tiracolo.

Enfim chega o grande final. Esse do título do post que redime os detalhes incômodos da história. A trama termina em suspenso lá na década de 1960. A história volta aos nossos dias para ser costurada de forma emocionante. Já um senhor vivido, um dos meninos procura saber do antigo amigo. Um telefonema... A partir daí o texto de Edney Silvestre pode e provavelmente vai te ganhar. É um reencontro com o passado arrebatador. A história volta a 1961 para em uma página acabar de verdade e te deixar com saudade da sua própria infância, de quando você achava que podia todas as coisas, assim como Eduardo e Paulo podiam.

Se eu fechar os olhos agora
Edney Silvestre
Editora Record
Preço sugerido: R$34,90

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